terça-feira, 8 de novembro de 2011

Árvore de Cristais

Árvore de Cristais
Um murmúrio escapa das águas
Esse mesmo murmúrio ecoa pelas encostas
Um eco de algo distante
Um eco de saudade
Saudade das sombras
Saudades de alguém que as águas levaram
Em seu fluxo incessante
Através de seu curso elas tragaram a alma
A alma de um ser vivente
E apenas um fio prateado a liga a terra
Mas a cada tremeluzir
A umidade o corrói
E falta pouco para desfazer-se sobre as águas
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No fio prateado
Encontra-se a origem dos murmúrios
Uma linda mulher encontra-se deitada
Com um longo vestido branco
Encobrindo a relva
Trazendo a alvura a selva
Intensamente contrastado com a cascata em suas costas
O rubro do sangue
Portador da vida
Como a mostrar que a vida dela escoa lentamente através de sua voz
O rosto voltado ao solo
A contemplar algo que nascia
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Me aproximei
Observando-a
Abaixando-me pude contemplar seus olhos
Seus olhos já não possuíam o azul das profundezas oceânicas
Mas sim o cinza de um céu que espera a tempestade
Sem nada poder fazer
Tendo que abandonar o suave azul
Para dar lugar ao vazio de cores
Ao vazio do significado
De uma vida sem razão
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Deles pequenos cristais escorriam
Caíam
Refletiam a luz do sol
A decompunham em inúmeras cores
Trazendo um triste espetáculo
Os cristais infiltravam-se no solo
Como a buscar a sua origem
Como a poder encontrar o lugar a qual pertenciam
Não em uma jóia
A ostentar-se
Mas sim no seio da terra
Buscando o sono da eternidade
No silencio do útero
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Toquei seu rosto
Porém ela não desviou seu olhar
Continuava a olhar a terra
A dar-lhe seus próprios cristais
Em seu rosto lia-se a dor
E também a esperança
Talvez a esperança de que talvez um dia
Tais cristais
Formassem em seu âmago a jóia que ela tanto aguardava
Entrelaçadas no fio da dor e da saudade
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Sentei-me em sua frente
Apenas ouvindo sua voz
Cuja melodia harmonizava-se com os instrumentos das águas
Sob este concerto
Dormi
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Ao abrir os olhos
Ainda a vi diante de mim
Contudo algo havia mudado
Ela já não era mais tão jovem
Seu rosto agora guardava a dor da paciência
E seu canto mudara
Agora muito mais tocante
E ainda mais suave
Como se o tempo houvesse desgastado sua voz
Como faz com as montanhas, aos poucos
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Também nascera
Onde os cristais caíram
Uma linda árvore
Erguia-se
Como um farol
No mar da floresta
Com seu tronco alvo
Refulgindo
Aos intrépidos forasteiros das regiões selvagens e intocadas
Suas folhas emitiam um leve brilho
O sol a aquecia e a presenteava com seu brilho
Fazia dela seu próprio espelho
Do refulgir divino
Negado aos olhos mortais
De seus galhos pendiam as folhas
Ondeantes
Entre seus galhos inúmeros botões repousavam
Ali o brilho incidia de forma intensa
E única
Porém nenhum deles abria-se
Esperam o momento de desabrochar sua essência ao mundo
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No momento em que abri os olhos
Percebi o porquê de esta árvore ser assim
Ela nasceu dos cristais
Que a mulher presenteou a Terra
Por isso a árvore também decompunha a luz do sol
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Mas a mulher parecia não suportar mais
Ela já carregara dentro de si tanto peso
Tanta dor
Que parecia já ter cumprido seu papel
Olhou para cima
Em direção á copa da árvore
E seus olhos que antes eram cinzas
Voltaram ao azul claro dos céus
Como se a tempestade houvesse finalmente cessado
E houvesse chegado a hora das nuvens de tempestade irem embora
E sua vida dependia da chuva
Das nuvens cinzas
Do canto cálido de seus lábios
Do canto das águas
Por um instante o tempo silenciou-se
Não ouvia-se mais um único ruído
Apenas sua voz
Vinda do mais profundo de sua alma
E este canto rompeu o frágil fio prateado que a ligava ao mundo dos vivos
Neste exato instante
Todos os botões da árvore se abriram
Emanando a luz das estrelas
Em um único instante toda a vida parou
E sentiram a força que pulsava da árvore alva
Uma luz dourada irradiou-se por toda a floresta
Atingindo os pontos mais sombrios
As trevas mais inalcançáveis
E por este instante
Cada ser pode sentir o que é algo que os humanos
Em seus medos
E desesperos
Chamaram de Amor
Neste instante a vida escorreu dos botões
Eles desabrocharam nas flores da própria existência
E cada uma delas
De forma única e indescritível emanou seu perfume
O aroma do paraíso a qual todos almejam
Mas não era intocável
Era real
Tangível
Tocável
Embriagado por tal aroma percebi que as flores já não mais existiam
Em seu lugar formavam-se sementes
As sementes de um sentimento pleno
E puro
A brisa as abraçou
Levando-as em seus braços para os recantos do mundo
Para florescerem em novas árvores
Pude presenciar o plainar dos cristais
Nascidos da árvore
Que agora espalhavam-se com o vento
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Mas onde estaria sua geradora?
Pois, afinal, foi graças à mulher que a árvore nascera
Pude ver seu corpo sob os pés da árvore
Deitado sob um véu de folhas da própria árvore
Como se ela se deitasse sobre o manto das estrelas
Mas ela estava dormindo
Não dormindo o sono dos mortais
Sim o sono dos imortais
Embalada pelo eco de sua voz
Que ainda ecoava pela floresta
Ao meu lado
Vendo-me
Estava ela
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Parara a poucos passos de mim
E toda a dor que sentira sumira de sua face
Agora estampava felicidade
Alegria
Amor
Ela caminhou até mim
Parou
Tocou meu rosto
Como se eu não fosse real
E sua voz musical novamente ecoou
“É você, sabia que um dia ainda te encontraria. E hoje você está aqui. Diante de mim. Se lembra de mim?”
“Me desculpe. Mas não. Tentei falar com você, mas você não me ouvia”
“Meu amor! Isso significa que sempre esteve comigo. Que nunca me deixou. Sou eu. Seu amor. Sua vida. Lembra-se?”
Como se tecidos se rasgassem e eu pudesse ver através deles eu a vi
A vi como ela era
A vi quando a amava
Quando ela era meu próprio ser
E agora sei o porquê que segui aquele fio prateado e fiquei ao seu lado
Porque nunca poderia abandoná-la
“Sim”
Os cristais que eu sempre vi caírem de sua face também escorreram da minha
“Sim. Eu me lembro agora. Me lembro de tudo. Ah, como eu te amo! E depois de todo esse tempo. Te vendo sofrer. Bem aqui. Diante de meus olhos. Como pode?”
“Isso não importa mais. O que importa é que estamos juntos. Você sabe agora o porquê que eu fiquei aqui esse tempo todo?”
“Não... mas... me desculpe por isso. Por tudo. Por te deixar!”
“É muito maior que nós. E não cabia a você decidir. Foi aqui que você me deixou e partiu para longe de meus braços. E também é aqui que seu corpo jaz. Esta árvore nasceu de você. Por isso a reguei com minhas lágrimas. Com meu amor. E ela cresceu. Agora é a hora de partirmos.”
“Juntos”
Nos abraçamos
E das águas
Surgiu uma intensa luz
Que nos enlaçou
E nos levou
Como um último vislumbre da Terra
Pude ver que toda a encosta em que a árvore residia desmoronou
Veio abaixo sobre a força das águas
Sepultando a Ávore de Cristais






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