O mestre e o discípulo
Há tantas eras o permanente é meu lar, que pouco me lembro dos tempos em que vivia num distante lugar, onde verdes planícies cantavam com o toque da brisa, embalados pela melodia dos pássaros, refletidos em um límpido espelho de águas, um lugar que seus habitantes batizaram de Terra.
São tempos tão remotos... Pouco ainda se preserva em mim, como em lago que acumula novas águas, e ainda sim as antigas permanecem. Elas permanecem comigo, em meu lago de memórias, uma tarefa árdua mergulhar por estas antigas passagens, canais, cavernas, mas vale à pena descobrir seus mistérios.
Tudo está tão diferentes, as antigas amarras não existem mais, embora novas tenham se formado. Não culpo a ninguém, apenas a mim mesmo, afinal, a escolha é minha, sempre é de cada um, mesmo que queiramos nos iludir do contrário. Foi minha escolha seguir um caminho como pensador, como um filósofo, naqueles primórdios, quando estes termos nem mesmo existiam.
Agora, resultado de tantos questionamentos de mim mesmo, em mim mesmo, reservaram-me a tarefa de guia. Um elo entre mundos, entre dimensões. Provavelmente esta é uma das razões de minha memória ser tão fragmentada. Permaneço pouco tempo em cada mundo, sempre viajo por entre eles. Sou como uma folha ao vento, seguindo caminhos sempre diversos.
Nestes meus caminhos encontrei outra folha perdida, passamos a velejar juntos por essa vastidão sem fim, tentando descobrir parte de nós mesmos, parte do cosmo em si, ainda não deixamos de ser quem éramos, mesmo após deixar a casca da mortalidade.
Nesta nossa jornada encontramos alguém perdido, alguém que deveríamos ajudar. E isto me fez lembrar de uma outra lição perdida em minha história, quando ainda vestia as veste da carne.
Naqueles tempos eu possuía um discípulo, muito curioso, inocente, almejando conhecimento, sabedoria, poder, amor... Almejando, almejando sem nada realmente almejar.
Um dia caminhávamos pela encosta da montanha, próximo a um templo paramos para descansar e ficamos observando uma pedra que se encontrava diante de nós, uma pedra comum, em uma estrada comum.
––Vê aquela rocha?
––Sim meu mestre.
––Pode me dizer o que ela é? Porque ela está ali?
Meu discípulo ficou a pensar, por horas a fio em uma resposta para aquela pergunta tão intrigante. Após muito tempo ele me respondeu.
––Meu mestre, acho que encontrei a resposta. Aquela rocha simboliza os entraves de nossa vida, tudo o que nos impede de avançar. Simboliza a perenidade do humano. Que apesar de se considerar divino, não passa de um simples pedregulho perante a montanha, perante a montanha do universo. Somos apenas um desgaste dessa gigantesca montanha, e se estamos aqui hoje não significa necessariamente um desígnio divino, mas sim mera casualidade que nos fez descer montanha abaixo. Ou ainda que uma simples rocha pode transformar uma vida, que mesmo em sua pequenez ela pode ser a causa de uma guerra, morte, lutas, destruição pela cobiça desenfreado dos homens pela riqueza, que mesmo as menores coisas, as menores rochas podem ser a causa de grandes guerras, de um desmoronamento, mesmo sozinha ela pode fazer uma grande diferença.
––Parabéns, você refletiu por horas, e chegou a conclusões admiráveis. Impressionantes, que a maioria não chegaria. Porém apesar de tudo o que disseste, é uma interpretação simbólica desta pedra, o que ela é? Uma pedra simplesmente. Não passa de uma pedra, ao qual dois humanos estão horas a se questionar a sua razão de existir, isso muda a sua essência? Meu filho, nós, humanos, temos uma tendência em ver significado em tudo, procuramos um porque, mesmo que ele não exista, para nós, ele tem que existir, pois nosso ego é muito grande. Dificilmente aceitaremos a mais básica das respostas, não sei, não sabemos. Um verdadeiro sábio não é aquele que tudo sabe, mas sim aquele que nada sabe. Aquele que tudo sabe se torna arrogante e prepotente, desafia os outros e até mesmo as divindades em nome de seu ego sem fim. E aquele que nada sabe? Busca aprender, compreender o que está a sua volta, pois está em eterno aprendizado e mesmo depois de milênios aprendendo pode dizer que ainda sim nada sabe. Tome muito cuidado com os significados, às vezes uma pedra é apenas uma pedra. Questionar é sempre válido, contudo criar significados onde não existem para suprir um vazio interior, para não parecer que não seja capaz de ver o que outros vêem não é o que um sábio deve fazer, busque em você mesmo as respostas. E lembre-se, suas opiniões, sua forma de ver o mundo não é a correta, nem mesmo a errada. E os outros não são obrigados a seguirem-na como a correta, ou a repudiarem como a errada.
Este pequeno episódio é apenas uma das muitas histórias que fazem parte de minha viajem, de meu trabalho como barqueiro. Quem sabe um dia eu posso contar outras, trazer a memória outros tempos, lugares... Quem sabe a língua dos bardos não soe em mim... Mas até lá deixo vocês com esta pequena história, na verdade, pequena reflexão.
Até o próximo encontro,
Pallas
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