terça-feira, 27 de março de 2012

Perdido em mim, Capítulo IV

Este é o quarto capítulo do conto perdido em mim. Escrevê-lo tem sido realmente gratificante, relembrar minha aura de escritor. Aqui está o link para a primeira parte, onde vocês encontrarão todos os capítulos já publicados:
A Melodia
Agora finalmente consigo me lembrar, da neve em meu corpo, aquela sensação estranha de perder e também ganhar.
Contudo aos meus ouvidos o único som que chega é a melodia do piano, não mais o som da correnteza.
Ela me é familiar, ela é a música do meu sonho, minha música, porém há algo diferente. Esta é mais calma, ao invés de apenas dor e desespero ela canta ao amor, assim como a dor. É como ouvir o som, a música de um coração.
Eu preciso saber quem a está tocando. Estou vestido. Estas devem ser as roupas de meu salvador, pois quando ele me trouxe minhas roupas já navegavam pelo rio, como caravelas sem destino.
É estranho estar neste quarto, não sei onde estou, com quem estou, mas sinto que essa é minha casa, a casa que nunca tive. Sinto o lençol sobre mim, o travesseiro macio, tudo é estranhamente familiar.
O mais impressionante é o perfume que vem das minhas roupas, do lençol. Não sei como descrevê-lo, é como se fizesse parte de mim. É como poder sentir o melhor perfume e mesmo assim ainda ser pouco para descrever.
Levantei-me da cama, com alguma dificuldade, meu corpo se recusa a deixar um leito tão especial. Tenho que usar minhas forças para descobrir quem está tocando essa música.
Caminho descalço, seguindo meus ouvidos, seguindo os acordes, tentando encontrar a origem.
O sol se põe. Eu posso ver sua luz alaranjada entrando na casa. Criando jogos de luzes e sombras. No final do corredor avistei um grande aposento, com janelas altas, do chão ao teto, janelas de um vidro muito transparente.
Por elas pude ver o mar, cheio de diamantes criados pela luz do sol. Dentro do cômodo o sol também fazia sua mágica. Pequenas partículas de pó pairavam no ar, a luz do sol como um ourives, um artista, as decompunham, cria um mundo dourado, como um manto de ouro para a tela principal. Meu anjo.
Ele tocava recortado contra o mar, sendo que eu podia ver apenas seu contorno, ou alguns pontos onde pequenos fechos de luz incidiam diretamente nele. Era como uma tela de um grande pintor com uma moldura sem igual.
Ele tocava de olhos fechados, sentindo a música, o fluir da melodia, dos sons, de seu coração. Não havia como não se encantar com aquela visão, com aqueles sons...
Também fechei os olhos, deixei que minha mente, meu coração seguissem com ele. Fiquei ali parado, de olhos fechados por muito tempo. Até a música parar de tocar.
Abri os olhos e vi que ele olhava par o mar, para o pôr-do-sol. Não quis interromper seu momento e comecei a dar um passo para trás quando ele se virou e ficou me observando com um olhar perdido, apaixonado, como se realmente não me visse.
Assim, eu parado, encostado no portal, vestindo sua camisa, iluminado pela luz do pôr-do-sol. Para ele, eu também deveria parecer uma tela, emoldurada pelo dourado. Depois ele piscou, saiu de seu transe particular. Abriu a porta que dava para uma sacada, parou na porta e me convidou a segui-lo
Nos sentamos em um banco, ficamos observando p efeito da luz sobre as ondas do oceano. As ondas se quebrando na praia. Foi quando ele disse:
––Eu sempre venho aqui, observar. Observar como as ondas são belas, únicas, mas também terríveis, elas podem destruír qualquer coisa em seu caminho, inclusive grandes rochas, penedos, encostas, tudo com o tempo e persistência, elas são capazes de mudar o mundo.
––Sim – eu disse, também observando o vai e vem das ondas - nunca saberemos os mistérios do mar, nem mesmo nossos próprios mistérios.
––Você tem toda razão, meu amigo, se é que posso chamá-lo assim, mas é que você está há um tempo aqui, que já o considero como um.
–– Claro que sim, afinal foi você quem me salvou. Lembra-se do rio...
––Não meu amigo. Aquele dia não fui eu quem salvou você. Mas sim o contrário.
––Como...
––Há algum tempo me sento entre as árvores, durante a noite, tentando esquecer, esquecer a mim mesmo. Sempre observo as pessoas que caminham na ponte. Elas sempre vão e vem, assim como as ondas desse mar, e nem ao menos se dão conta disso. Não param para verem onde estão, apenas seguem a correnteza, os outros. Você é diferente. Eu sempre o vejo sozinho, diferente do resto você sempre para e observa os que estão ao seu redor. Observa a correnteza, mas não faz parte dela, na verdade nada contra ela. E no dia em que você estava sozinho na ponte, eu fui para lá com a intenção de me juntar a ela, a correnteza do rio. Contudo você chegou antes de mim e decidi esperar e ver o que você faria. Foi quando nitidamente vi em você, no que você ia fazer, eu mesmo. E vi que precisava salvá-lo, pois salvando você, estaria salvando a mim mesmo.

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