Noite Eterna, apenas um sonho
Estou sentado sob a sombra desse frondoso carvalho. Quantas eras ele não viu passar? Quantas estações não passaram... E ele continua aqui. Sem se vergar ao tempo e ao vento.
O formato de seus galhos me lembram tantas coisas... É como um grande livro de recortes onde as lacunas são preenchidas com estrelas.
Será que meu livro é ilustrado por estrelas? Ou apenas por folhas mortas?
A relva é tão macia. Ela cobre as raízes do carvalho, que mergulham na escuridão da Terra. Se elas não enfrentarem as sombras, como as folhas podem ver a luz?
Me levanto, observo os vales que se estendem por todos os lados. Há caminhos iluminados. Há caminhos onde apenas as sombras imperam.
Vinda das sombras, coberta com um longo manto, uma figura caminha errante. Quem será tal figura? Porque vaga por essa região?
Ela parece não se preocupar com a escuridão, segue seu caminho com firmeza, decisão.
A brisa inicia seu cantar noturno, reverberando os sons da noite. O manto verde dos vales deita-se a sua passagem, lembram as ondulações do mar. Quase posso sentir o cheiro salino do mar, o toque da areia...
Embalado por essa sensação, como uma caravela a mercê dos ventos, sou levado. Navegando as ondas da relva. E a rota traçada leva-me para a figura encapuzada, parada sob as sombras de uma rocha, observando a Lua.
Por tanto tempo permaneceu imóvel que logo estava a poucos passos de distância.
Deixou de observar o céu e passou a me observar. Desta vez iniciou-se não apenas o leve soprar da brisa, mas um vento distante, intenso, forte.
A capa e seus longos cabelos esvoaçavam com o vento, da liberdade das sombras. A voz veio com o vento, porém a voz ecoava como a minha própria voz.
––Tantas vezes vemos o tempo passar e levar consigo tantas coisas que amamos, que nem ao menos percebemos que ele é como a brisa. Inicia-se leve e agradável e transforma-se aos poucos. Logo uma tempestade se forma, levando tudo consigo. Nada barra seu avanço. Então vale a pena simplesmente deixar tudo ser tragado por essa tempestade, sem nunca termos sequer apreciado o toque da relva?
A figura encapuzada abaixou-se e pegou com suas mãos uma quantidade de terra e as jogou ao vento.
––Vê? Ela nem ao menos tocou o solo. Foi-se no horizonte. Da mesma forma as aparências se vão. Não voltam mais.
A figura envolta em sombras olhava-me fixamente. Lentamente retirou seu capuz e o lançou ao vento. Pude vê-lo subir aos céus e ser levado para um lugar que nunca saberei qual é...
Pude ver em seu rosto. Era o meu rosto. Contudo o tempo passara, os anos se foram e eu me encontrava claramente diferente do que sou hoje. Um espelho se formava diante de mim, porém a imagem refletida não era o eu do hoje, mas sim o eu do amanhã, emoldurado pelo vale e pela escuridão.
––Vê? Já não sou quem costumava ser. Ainda vago nas sombras, mas com a diferença que sei que vago por elas para poder chegar à luz.
Como se fossem feitas de areia as vestes de meu eu desfaziam-se, sendo carregadas pelo vendo incessante. Podia me ver despido da humanidade, de todas as máscaras de ilusões.
––Um dia vestimos nossas verdadeiras vestimentas, o nosso ser. E nesse dia realmente podemos ver quem somos. Até lá apenas vemos o nada da existência.
Com as rajadas de vento a figura esfarelava-se, levada como um grão de areia de uma ampulheta, a ampulheta do tempo.
Sozinho, mergulhado no limite da luz e das trevas espero a tempestade chegar, com a certeza de que mesmo em meio a destruição a vida pode surgir.
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